A Guerra de Israel Contra Jornalistas Quando você comete um crime, não quer ser pego em uma câmera. Em Gaza, os jornalistas foram os últimos testemunhos vivos de um genocídio — seres humanos presos nas circunstâncias mais terríveis, forçados a documentar o massacre de seu próprio povo, seus amigos e suas famílias. Eles não tinham o luxo de se retirar. As ruas que filmavam eram suas próprias ruas. Os funerais que fotografavam eram para seus vizinhos, seus amigos, seus parentes. Eles comiam das mesmas reservas de alimentos cada vez menores, bebiam da mesma água contaminada e dormiam nos mesmos abrigos improvisados. Cada transmissão, cada fotografia, cada postagem nas redes sociais que compartilhavam era um ato de desafio contra a maquinaria da obliteração. E, um a um, eles foram caçados e mortos. Isso não é a névoa da guerra. É a destruição calculada daqueles que ousam revelá-la. Provas Estatísticas O conflito em Gaza desde 7 de outubro de 2023 produziu a maior taxa de mortalidade de jornalistas na história registrada: 130,81 jornalistas mortos por ano. Em outras guerras, o número raramente ultrapassa um dígito. O desvio padrão das mortes de jornalistas por ano em conflitos globais é tão pequeno que o número de Gaza produz um escore z de 96,82 — muito além do limiar de 3σ usado na análise científica para rejeitar a hipótese nula. Em linguagem simples: não há chance estatística de que isso seja aleatório. É uma anomalia, e no contexto da proibição total da imprensa estrangeira em Gaza, aponta diretamente para um ataque intencional. --------------------------------------------------------------------------------------------- Guerra Duração (Anos) Jornalistas Mortos Jornalistas Mortos/Ano ------------------------------ ---------------- -------------------- ------------------------ Guerra Civil Chinesa 4,34 2 0,46 Guerra da Coreia 3,09 5 1,62 Guerra do Vietnã 19,50 63 3,23 Guerra da Argélia 7,68 4 0,52 Guerra Civil Libanesa 15,59 16 1,03 Guerra Soviético-Afegã 9,17 7 0,76 Primeira Guerra do Golfo 0,58 3 5,17 Guerras Iugoslavas 10,38 14 1,35 Primeira Guerra da Chechênia 1,73 6 3,47 Segunda Guerra da Chechênia 9,70 6 0,62 Guerra do Iraque 8,84 31 3,51 Guerra no Afeganistão 19,75 23 1,16 Segunda Guerra do Congo 4,96 4 0,81 Conflito de Darfur 22,17* 10 0,45 Guerra Civil Síria 14,49* 35 2,42 Guerra Civil Líbia (2011) 0,69 2 2,90 Guerra Civil Iemenita 10,52* 12 1,14 Conflito de Gaza 1,85 242 130,81 --------------------------------------------------------------------------------------------- *Conflitos em andamento até 11 de agosto de 2025. Implicações Legais O direito humanitário internacional é inequívoco. O Artigo 79 do Protocolo Adicional I (1977) protege explicitamente os jornalistas como civis, a menos que participem diretamente de hostilidades. O Artigo 27 da Convenção de Genebra IV exige tratamento humano para todos os civis. O Artigo 51 do Protocolo Adicional I proíbe qualquer ataque a civis. O Artigo 8(2)(b)(i) do Estatuto de Roma do TPI define o ataque intencional a civis como um crime de guerra. A Regra 34 do direito humanitário consuetudinário proíbe completamente ataques contra jornalistas. Essas proteções são reforçadas pelo Artigo 19 da DUDH e pelo Artigo 19 do PIDCP, que garantem o direito de buscar, receber e compartilhar informações. Em Gaza, essas leis estão sendo dilaceradas. A proibição estatal à imprensa estrangeira, combinada com o assassinato direcionado de quase todos os repórteres locais proeminentes, não é um acidente — é uma estratégia de supressão. Estudos de Caso Esses nomes são mais do que entradas em uma lista de vítimas. São vidas interrompidas no meio de uma frase — pessoas que carregavam câmeras em vez de fuzis, microfones em vez de munição. Cada um deles carregava o fardo duplo impossível de sobreviver a um genocídio enquanto o documentava para o mundo. Eles não trabalhavam na segurança de escritórios distantes; seus escritórios eram as ruas sob bombardeio, os corredores de hospitais lotados de feridos, os escombros de casas transformadas em túmulos. Para entender a escala e a intenção da guerra de Israel contra jornalistas, devemos começar com as histórias daqueles que foram silenciados — não como estatísticas, mas como seres humanos. Hossam Shabat Hossam Shabat tinha 23 anos, um correspondente palestino no norte de Gaza para a Al Jazeera Mubasher e colaborador do Drop Site News, com sede nos EUA. Nascido em Beit Hanoun, ele cresceu sob cerco, mas ainda tinha sonhos comuns — se formar, trabalhar, um dia viver sem checkpoints e toques de recolher. Esses sonhos mudaram após 7 de outubro de 2023. Por 18 meses, Hossam documentou os horrores da guerra no norte de Gaza, minuto a minuto. Ele cobriu ataques aéreos, deslocamentos em massa, fome e a destruição do restaurante de sua família. Ele perdeu mais de trinta parentes, mas nunca parou de trabalhar. Ele frequentemente dormia em escolas, nas calçadas ou em tendas. Ele suportou a fome por meses. Ele recebia ameaças de morte regularmente. Em 24 de março de 2025, poucos dias após Israel encerrar um breve cessar-fogo, Hossam entrevistava um residente antes de ir para o Hospital Indonésio em Beit Lahia para uma transmissão ao vivo. Ele usava seu colete de imprensa claramente marcado. Seu carro, estacionado nas proximidades, estava pronto para a viagem. Um operador de drone israelense — quase certamente capaz de identificá-lo — disparou um único míssil. Ele atingiu ao lado de seu carro, matando-o instantaneamente. O colega jornalista Ahmed al-Bursh, a apenas 50 metros de distância, estava prestes a se juntar a ele. O ataque não foi artilharia aleatória; foi um assassinato deliberado de uma máquina flutuante e observadora. Suas últimas palavras, preparadas para o caso de sua morte, diziam: “Se você está lendo isso, significa que fui morto — muito provavelmente alvejado — pelas forças de ocupação israelenses. Quando tudo isso começou, eu tinha apenas 21 anos — um estudante universitário com sonhos como qualquer outro. Nos últimos 18 meses, dediquei cada momento da minha vida ao meu povo. Documentei os horrores no norte de Gaza minuto a minuto, determinado a mostrar ao mundo a verdade que eles tentaram enterrar. Dormi nas calçadas, em escolas, em tendas — em qualquer lugar. Cada dia era uma luta pela sobrevivência. Suportei a fome por meses, mas nunca abandonei o lado do meu povo. Por Deus, cumpri meu dever como jornalista. Arrisquei tudo para relatar a verdade, e agora, finalmente, estou em paz — algo que não conheci nos últimos 18 meses. Fiz tudo isso porque acredito na causa palestina. Acredito que esta terra é nossa, e foi a maior honra da minha vida morrer defendendo-a e servindo seu povo. Peço a vocês agora: não parem de falar sobre Gaza. Não deixem o mundo desviar o olhar. Continuem lutando, continuem contando nossas histórias — até que a Palestina seja livre. — Pela última vez, Hossam Shabat, do norte de Gaza.” Fatima Hassouna Fatima Hassouna tinha 25 anos, era nativa da cidade de Gaza e uma das poucas fotojornalistas mulheres que ainda trabalhavam na enclave. Graduada em multimídia pela University College of Applied Sciences, ela tinha um olhar aguçado para capturar a resiliência em meio à devastação. Suas fotografias não eram apenas imagens — eram fragmentos de vida sob cerco. Crianças correndo umas atrás das outras em ruas bombardeadas. Mulheres amassando pão na carcaça de uma cozinha destruída. Um pai segurando o pequeno corpo de seu filho envolto em um sudário branco. Seu trabalho apareceu em meios de comunicação internacionais e no documentário de 2025 Coloque Sua Alma na Mão e Caminhe, selecionado para Cannes. Ela estava noiva e às vezes brincava com amigos sobre que tipo de vestido de noiva poderia usar, mesmo enquanto carregava sua câmera para zonas perigosas. Em abril de 2025, ela disse ao diretor do documentário que participaria da exibição em Cannes — mas que voltaria para Gaza, porque “meu povo precisa de mim aqui.” Em 16 de abril de 2025, mísseis israelenses atingiram o apartamento de sua família no segundo andar de um prédio de cinco andares no norte de Gaza. Fatima, seis membros de sua família e sua irmã grávida foram mortos instantaneamente. A Forensic Architecture concluiu que o ataque não foi dano colateral, mas um acerto direto em seu apartamento. Ela uma vez postou: “Se eu morrer, quero uma morte barulhenta.” Ela conseguiu. O mundo só precisa ouvir. Anas al-Sharif Anas al-Sharif tinha 28 anos, um dos correspondentes mais reconhecidos da Al Jazeera em Gaza. Originário do campo de refugiados de Jabaliya, ele viveu toda a sua vida sob bloqueio. Em dezembro de 2023, seu pai foi morto em um ataque aéreo israelense. Amigos o instaram a evacuar o norte de Gaza. Ele recusou. “Se eu for embora,” disse ele, “quem vai contar a história?” O jornalismo de Anas alcançava centenas de milhares por meio do X e do Telegram. Ele filmava logo após os bombardeios, sua voz firme mesmo enquanto as explosões ecoavam. Ele reportava de bairros assolados pela fome, hospitais improvisados e cortejos fúnebres. Ele se tornou um símbolo da resistência de Gaza — e um alvo claro. Em 10 de agosto de 2025, ele e outros cinco jornalistas estavam dentro de uma tenda perto do Hospital al-Shifa, uma localização conhecida da imprensa. Um míssil israelense atingiu diretamente, matando todos os seis. Sua mensagem final, preparada em abril de 2025, foi publicada postumamente: “Este é o meu testamento e minha mensagem final. Se estas palavras chegarem até você, saiba que Israel conseguiu me matar e silenciar minha voz. Em primeiro lugar, que a paz esteja com você e a misericórdia e as bênçãos de Allah. Allah sabe que dei todo o meu esforço e toda a minha força para ser um apoio e uma voz para o meu povo, desde que abri os olhos para a vida nos becos e ruas do campo de refugiados de Jabaliya. Minha esperança era que Allah prolongasse minha vida para que eu pudesse retornar com minha família e entes queridos à nossa cidade original de Asqalan ocupada (Al-Majdal). Mas a vontade de Allah veio primeiro, e Seu decreto é final. Vivi a dor em todos os seus detalhes, provei o sofrimento e a perda muitas vezes, mas nunca hesitei uma única vez em transmitir a verdade como ela é, sem distorção ou falsificação — para que Allah possa testemunhar contra aqueles que permaneceram em silêncio, aqueles que aceitaram nosso assassinato, aqueles que sufocaram nossa respiração, e aqueles cujos corações não foram tocados pelos restos espalhados de nossas crianças e mulheres, sem fazer nada para parar o massacre que nosso povo enfrentou por mais de um ano e meio. Confio a vocês a Palestina — a joia na coroa do mundo muçulmano, o batimento cardíaco de cada pessoa livre neste mundo. Confio a vocês seu povo, suas crianças injustiçadas e inocentes que nunca tiveram tempo para sonhar ou viver em segurança e paz. Seus corpos puros foram esmagados sob milhares de toneladas de bombas e mísseis israelenses, despedaçados e espalhados pelas paredes. Eu vos exorto a não deixar que correntes vos silenciem, nem que fronteiras vos restrinjam. Sejam pontes para a libertação da terra e de seu povo, até que o sol da dignidade e da liberdade nasça sobre nossa pátria roubada. Confio a vocês o cuidado com minha família… minha amada filha Sham… meu querido filho Salah… minha amada mãe… e minha companheira de uma vida, minha amada esposa, Umm Salah (Bayan). Fiquem ao lado deles, apoiem-nos. Se eu morrer, morro firme em meus princípios. Testemunho diante de Allah que estou satisfeito com Seu decreto, certo de encontrá-Lo, e seguro de que o que está com Allah é melhor e eterno. Ó Allah, aceite-me entre os mártires… Não se esqueçam de Gaza… E não se esqueçam de mim em suas orações sinceras por perdão e aceitação. — Anas Jamal al-Sharif, 6 de abril de 2025.” Conclusão Essas não foram mortes aleatórias. Eram seres humanos — filhos, filhas, pais, amigos — trabalhando sob cerco, sob bombardeios, sob fome, para mostrar ao mundo um genocídio em tempo real. Eles comiam a mesma comida escassa que seus vizinhos, lamentavam os mesmos mortos e caminhavam pelas mesmas ruas cheias de escombros. E mantiveram suas câmeras ligadas até o momento em que se tornaram o assunto da filmagem de outra pessoa. Quando um estado mata jornalistas nessa escala, não está silenciando indivíduos — está assassinando a verdade. As mortes de Hossam Shabat, Fatima Hassouna, Anas al-Sharif e centenas de outros são atos deliberados em uma campanha coordenada para apagar o registro do que está acontecendo em Gaza. A história os lembrará. A única questão é se o mundo os honrará buscando justiça, ou os abandonará ao silêncio que seus assassinos tentaram impor.